SAPIENS - UMA BREVE HISTÓRIA DA HUMANIDADE
- Nina & Alice
- 16 de jul. de 2018
- 6 min de leitura
Atualizado: 16 de set. de 2019
É a cultura que obriga as pessoas a concretizar algumas possibilidades e proíbe outras. A biologia permite que as mulheres tenham filhos - algumas culturas obrigam as mulheres a concretizar essa possibilidade. A biologia permite que homens pratiquem sexo uns com os outros - algumas culturas os proíbem de concretizar essa prática.
p. 155 - Cap. 8 "Não existe justiça na história".
AUTOR: Yuval Noah Harari
EDITORA: L&PM (2017 - 14ª ed)
ANO: 2015 (1ª ed)
LIDO EM: 20 - 01 - 2018
Acho que em primeiro lugar devo dizer que sou uma bióloga (paleontóloga) com muito interesse por história e psicologia. De cara quis ler o livro, pois ele mistura justamente o que eu amo com o que eu faço da vida. Além disso, é quase impossível ignorar o fato de que há na capa o aviso "best-seller internacional" tornando a leitura praticamente obrigatória - sem contar os diversos comentários de jornais famosos, pesando ainda mais a responsabilidade do autor!
[se tem tantos votos a favor, então minhas expectativas ficaram bem altas - e, de fato, foram superadas em diversos aspectos].
É importante começar a resenha falando sobre a divisão do livro, pois esta influência bastante em todos os tópicos abordados: Sapiens possui quatro partes e um epílogo, e através de cada uma delas o autor passa por uma "conquista", uma REVOLUÇÃO humana; não é por menos que três dos quatro capítulos têm nomes de revoluções:

A divisão ficou muito interessante, pois em cada parte uma época da humanidade é tratada e discutida com mais foco. Assim, a parte I - "revolução cognitiva" - fala desde o início da humanidade até a Era Antiga, com seus impérios e início das vilas humanas. É interessante que o autor, dentro das partes, coloca um tema para o capítulo e pequenos sub-temas para divisões dentro deste mesmo capítulo. Gostei extremamente disso porque ficou muito bem organizado e fácil de aprender a história: não muito conteúdo direto por vinte páginas ininterruptas.
Apesar da divisão em 'revoluções' históricas, Harari o tempo todo compara épocas e cita acontecimentos de locais e tempos diferentes, e que se relacionam, tornando evidente o ciclo de repetição histórico. No capítulo sobre "justiça na história", na revolução agrícola, ele fala tanto sobre os camponeses pós-homens das cavernas quanto sobre racismo, sexualidade e gênero. Algo que deu muito mais ensinamentos do que se ele tivesse simplesmente analisado de forma impessoal e totalmente acadêmica o tal período. Senti que estava aprendendo muito mais do que história: Harari de fato ensina filosofia, sociologia e até biologia!
No começo do livro, há uma breve introdução científica sobre o que são os Homo sapiens. Para isso, o autor usa muitos conceitos científicos - na realidade, ele está sempre usando biologia ao longo de seu livro. Como bióloga, não pude deixar de notar alguns equívocos causados pela tentativa de simplificar as coisas através de metáforas. Como por exemplo, o conceito de 'espécie' (não há apenas o mais usual! Se levarmos em consideração a "reprodução" e "fertilidade da prole" como vamos aplicar esse conceito aos fósseis?) e a metáfora usada para explicar a linhagem de Sapiens X 'ancestrais primatas'. Foi uma tentativa bastante boa, mas talvez muitas pessoas leigas (que não estudam sistemática e evolução) interpretem de forma literal: a mãe primata que dá a luz dois filhotes que dariam origem, cada qual, à linhagem dos primatas e dos humanos. A evolução é muito mais sutil do que isso! Em todo caso, Harari peca somente em definições e somente de forma a incomodar ligeiramente quem realmente estuda esse tipo de assunto.
É bom dizer que o livro não é feito para quem tem um prévio conhecimento sobre história, biologia ou o que for. Tudo é muito completo e o autor preenche absolutamente todas as possíveis lacunas que possam existir. No meio da teia histórica-narrativa, não há um "foco específico" em determinado momento histórico. Acredito que daí a importância da introdução científica: Harari não está ensinando história; está contando o que aconteceu conosco nesses últimos 70 mil anos e como isso nos influencia hoje. Dessa forma, não vai existir um capítulo só sobre o Império Romano, Grego ou Persa! Ele vai falar sobre eles de uma forma completa, porém não profunda - saberemos o comportamento militar romano, mas não quantas legiões ou quantos soldados eram contratados e treinados, especificamente.

Além disso, essa "análise" que existe sobre o Império Romano é feita de uma forma muito diferente do comum. Estamos acostumados, em livros de história, a ver aquele pedaço separadamente e só então relacionar a um acontecimento passado ou futuro. Bem como estamos acostumados a enxergar o próprio conteúdo desse período histórico separado - poder miliar X religião X sociedade, etc. Neste livro, Harari ensina que nada é um só e que o Imperador Romano só fazia o que fazia por conta, indiretamente, da sociedade anterior aos romanos. Tudo se influencia. Por que o Império Romano caiu? Não existe um ou dois motivos principais; está tudo relacionado à nossa vontade e à biologia Sapiens.
Por conta de termos abandonado a vida nômade e nos tornado camponeses, criamos ansiedade, enxergamos apenas o futuro e precisamos de mais segurança - de certa forma, foram esses pensamentos enraizados que influenciaram os Imperadores. Estamos lendo um livro na tentativa de nos compreender melhor. Dessa forma, o autor trabalha muito a questão psicológica dos Sapiens e como isso se relacionou com a história da humanidade.
Como uma teia, Harari nos transporta desde 70 mil anos atrás para os tempos atuais. A progressão é feita usando a tática de focar na mudança da mentalidade e desejos humanos por isso tudo passa muito rápido. Começamos desejando a vida dos caçadores-coletores nômades e quando respiramos, já estamos conquistando as Américas.
Harari é muito habilidoso e completamente imparcial. Parece que o tempo inteiro ele queria, de propósito, apresentar dois lados da moeda: como fomos incríveis... E como também fomos monstros. Enquanto ele nos faz desejar uma determinada época, em poucos parágrafos avisa que ela não era tão ideal assim. Justamente como se fosse para o leitor pensar em tomar seu próprio lado, de acordo com suas conclusões.
Penso que este livro é muito mais para refletir sobre nós, a espécie Homo sapiens e isso acaba se refletindo em nós, indivíduos. Desde as épocas mais remotas, o autor lança temas para debates que são muito atuais e realmente paramos para refletir de uma forma muito diferente. É como se tudo se tornasse mais óbvio: por que Deus não existe? Porque nós o inventamos. E inventamos tudo o que nos cerca, nos rege e nos espera.

A partir do momento em que criamos outras religiões - como o capitalismo - o autor passa a investigar o histórico humano por essa perspectiva. Aparentemente, todas as épocas são investigadas pela lente de suas ideologias (o que faz todo sentido) e que, no fundo, são todas iguais!
Em muitos momentos o autor usa argumentos ou cita autores completamente opostos para, ao final, desvendar que todos não passam da mesma coisa - como o gene egoísta e Satã, ambos servindo como bodes expiatórios para que nunca tenhamos culpa de nada. É realmente interessante, pois mostra que esses argumentos foram retirados de ideologias inventadas, em sociedades inventadas com regras, ética, moral e governos inventados. É um mundo de ilusões, e a maior delas é que acreditamos que somos os protagonistas da história - talvez, no máximo, sejamos antagonistas em uma peça que tem todos outros personagens também como protagonistas.
Afinal de contas, vamos observando que o Humano Sapiens não tem ajudado muito o meio ambiente. Destruímos sem piedade! Durante os últimos capítulos, o autor faz um grande apanhado dos acontecimentos históricos e volta sua narrativa para a noção de felicidade (éramos mais felizes? Seremos felizes?) e design inteligente (aos poucos, estamos substituindo a seleção natural humana por auto design inteligente). O que é de fato muito angustiante porque vemos, em ambos, nossa tentativa de controlar a natureza e o futuro. Seremos humanos ciborgues sem sentimentos ou sexualidade? Tipos-robôs exagerados de monges budistas, evitando sentir as sensações e desejos para não sublimar no tédio e vazio? Parece ser um futuro tão niilista quanto o presente - senão muito mais! Seremos nossos próprios demônios do eterno retorno.
O livro é recheado de imagens super explicativas e interessantes sobre objetos, mapas, fotos antigas e tudo mais. O autor mostra tudo o que menciona ao longo de sua narrativa histórica através dessas imagens e é bem melhor acompanhar as regiões e suas mudanças através dos mapas. Eu gostaria bastante que fossem coloridos, mas as legendas são bem explicativas e a cor acaba não fazendo muita diferença.
Voltando a pensar no aviso da capa, "best-seller mundial", concluo que o livro é uma grande obra prima, sim. O autor nos apresenta uma forma muito diferente de pensar sobre nós mesmos - através do sentido de unidade da espécie para, só então, chegar ao indivíduo! Como se estivesse obedecendo às tendências sociais históricas: da tribo de 50 pessoas, passamos a valorizar o estado e nosso próprio umbigo.
Recomendo muitíssimo a leitura e já estou de olho no segundo livro do autor: "Homo Deus". Quem não está acostumado a esse tipo de leitura pode demorar a se adaptar um pouco, levando em conta os capítulos grandes e a quantidade de conteúdo - mas a escrita é tão boa que esse período de transição mental passa bem rápido. Para biólogos e historiadores, a leitura é obrigatória!
[...] os humanos parecem mais irresponsáveis do que nunca. Deuses por mérito próprio, contando apenas com as leis da física para nos fazer companhia, não prestamos contas a ninguém. Em consequência, estamos destruindo os outros animais e o ecossistema à nossa volta, visando a não muito mais do que nosso próprio conforto e divertimento, mas jamais encontrando satisfação.
Existe algo mais perigoso do que deuses insatisfeito e irresponsáveis que não sabem o que querem?
p. 428 - Epílogo "O animal que se tornou um Deus"
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